Como o reposicionamento de marca da Marvel mudou o consumo de filmes

A revolução chamada “histórias em quadrinhos”

Todo mundo é fã de filmes de super-heróis, mas até chegarem aos cinemas, eles enfrentaram muitas batalhas para sair do papel. E mais difícil do que derrotar os vilões, foi a batalha da Marvel para reposicionar todo o seu repertório de super heróis como os produtos de entretenimento mais rentáveis de toda uma geração.

Respeitada mundialmente e querida por seus leitores, as histórias em quadrinhos são um fenômeno na literatura mundial. Trazendo inovação aos meios tradicionais de leitura com imagens sequenciais e narrativas ilustradas, as HQ’s trouxeram uma nova experiência ao âmbito literário. 

Nesse sentido, as histórias em quadrinhos entraram para o hall das Love Brands, marcas que possuem um séquito de apaixonados, e as levaram para o cinema. 

Neste especial, abordaremos como se deu essa transformação do cinema a partir das histórias em quadrinho e mostrar como a Marvel chegou ao status de Love Brand.

Sobre as HQs – Histórias da HQs

Com narrativas que imergem o leitor nas representações da vida quotidiana, e com linguagens simples e diretas, as histórias em quadrinhos inovaram ao apresentar a imagem como parte integrante fundamental para a complementação dessas narrativas. 

De leitura fluida e personagens cativantes, hoje, as histórias em quadrinhos são muito populares nas leituras diárias e consolidadas no mercado, entretanto seu passado enfrentou alguns obstáculos ao longo da sua consolidação. 

Diferentemente do que se conhece sobre histórias em quadrinhos, percebe-se que sua trajetória nem sempre foi tão pragmática e padronizada. O que se compreende a respeito de histórias em quadrinhos pode ser considerado fruto do jornalismo moderno e por mais que Branding seja o conceito mais focado no usuário, as próprias HQs nos EUA do séc XIX nos dão uma aula sobre funcionalidade da experiência e alta consideração aquilo que o seu público precisa. 

Ao final do século XIX, dois grandes nomes da indústria de jornais dos Estados Unidos, Joseph Pulitzer e William Randolph Hearst, criam suplementos dominicais para atrair pessoas menos letradas e imigrantes com dificuldades de compreensão da língua inglesa, grande parte da  sociedade que consumia seu conteúdo, formado por narrativas figuradas em estilo europeu.

Como um meio para se expressar, diversos artistas encontram um espaço para disseminar sua arte dando aos quadrinhos a autonomia através das suas representações.

Em 1895, surge o quadrinho The Yellow Kid, escrito e desenhado por Richard Outcault, que se tratava de uma narrativa, em uma régua gráfica, dividida em quadrados, e com legenda. O quadrinho trazia a imagem de um garoto vestido de amarelo e seus meios de comunicação apareciam descritos dentro de suas roupas amarelas. 

Sua linguagem era voltada à maneira como conversavam as pessoas dos guetos e possuía maneirismos e coloquialismos de classes mais baixas.

The Yellow Kid conquistou as massas das classes inferiores e seu sucesso foi tanto que, em algum momento, passou-se a ser produzido conteúdos semanais distribuídos em quatro ou cinco imagens e em alguns momentos o menino de amarelo tinha suas falas representadas dentro de balões. 

Richard Outcault não pode ser considerado o criador das histórias em quadrinhos – visto que em diversos lugares esse tipo de representação já existia, mas nada consolidado – mas corrobora a argumentação do uso da sequencialidade e da inserção dos balões de fala em seus contextos, nos jornais americanos. 

Com o sucesso de um tipo de leitura voltado para as classes inferiores, as histórias em quadrinhos passaram a ter notoriedade, também, nas classes mais dominantes, e se tornaram populares em meio a elas. Devido ao sucesso de The Yellow Kid, as histórias em quadrinhos se tornaram populares nos Estados Unidos. 

Posteriormente, os quadrinhos norte-americanos foram parâmetros de entretenimento, arte e comércio. Abarcando hoje, em sua trajetória, adaptações cinematográficas, e todo um universo comercial geek existente por trás da sua matriz. Hoje podemos compreender que parte do acervo das histórias em quadrinhos, no mundo, tem influências diretas do seu mercado editorial, servem de inspiração aos autores de todo o mundo e agradam a todas as idades.

O cinema e as histórias em quadrinho

Quem nunca assistiu, ou ouviu falar em Marvel e DC, certamente se encontra dentro de um pote mais congelado que o Capitão América – antes de ser encontrado –  no meio do oceano ártico.

Adaptações de HQs para o cinema tornaram-se quase lei para grandes estúdios se manterem de pé, visto a transformação digital que o mundo teve com o aparecimento dos streamings.

Tanto as histórias em quadrinhos quanto o cinema se desenvolveram no auge da indústria cultural, fabricados como produtos de massa. E tanto as HQ’s quanto o cinema foram alvos de preconceito em suas raízes.

Os quadrinhos eram vistos como uma arte menor e considerada leitura fácil por muitos, inclusive por educadores, devido à associação entre verbalidade e imagem. Já o cinema, marginalizado por se tratar de um meio de entretenimento que objetivava o lucro.

Por muito tempo, isso foi real. Mas o mundo evoluiu, e assim como a sociedade, a linguagem dos quadrinhos evoluiu também. Os autores aperfeiçoaram suas técnicas e inovaram suas linguagens. A qualidade do traço e da narrativa trouxeram a muitas HQs, o status de obra-prima, passando a serem vistos como obras de autor, não mais de personagens.

Adaptar para o cinema histórias de personagens que já faziam parte do imaginário dos leitores de quadrinhos, deu mostras desde o início de ser um negócio com alto potencial.

O cruzamento entre as mídias não demorou a ocorrer. As semelhanças entre as duas artes, principalmente pelo fato de ambas se tratarem de exemplos de linguagem sequencial, facilitam uma adaptação do material impresso para o audiovisual. 

De acordo com a Deadline, a Marvel, sozinha, arrecadou mais de U$ 15,3 bilhões de dólares com os seus filmes, ao transformar as histórias em quadrinhos em produções cinematográficas dignas de recordes mundiais de bilheteria.

Mas por que as histórias em quadrinhos – principalmente as que falam sobre super-heróis – estão modificando as diversas formas de como o cinema trabalha a sua arte e como o telespectador recebe e consome de ambas as formas – visuais (filme) e escrita (HQ’s)?

  • Posicionando a marca através da humanização das histórias

Ao falarmos de posicionamento, precisamos entender o contexto social. Antes de tudo, esse artigo não é para ensiná-los sobre como fazer branding e sim, mostrar a lógica por trás de uma marca que migrou de um nicho muito específico (consumidores de HQs, action figures e desenhos animados derivados) para um público tão amplo a ponto de quebrar recordes de bilheteria no cinema.

A primeira grande estratégia de perpetuação da Disney – dona da Marvel – ao conceber a Marvel em seu catálogo, foi casar objetivos das histórias em quadrinho, com o tom de voz, branding e responsabilidade social, ao qual a marca já é consolidada no mercado: a humanização. 

Esse fator acabou por levar a Marvel a um status de Love Brand, que é quando uma marca é amada pelos consumidores e consegue criar laços emocionais com eles, elevando a relação de consumidor-cliente.

Uma love brand não é apenas uma empresa, uma loja, um produto — ela é uma representação dos valores e das crenças com os quais o consumidor se identifica.

O grupo de Walt Disney preza essa perspectiva de que a ficção pode aproximar e trazer conforto aos usuários.

É difícil, hoje, termos alguém que não conheça – ou ouviu falar-, das produções da Disney/Marvel. 

A humanização dos heróis, fez com que os espectadores se identificassem com os personagens, que possuem problemas assim como eles. 

Um exemplo crasso é a história do Homem Aranha: um menino órfão que mora com a tia, com dificuldades para se declarar pela garota por quem é apaixonado. Já o Quarteto Fantástico é uma família disfuncional, com brigas internas. 

 Outra estratégia de humanizaçao da Marvel foi através da representatividade ao criar os primeiros heróis negros na indústria de HQ americana e o primeiro deficiente físico. 

Esses fatos, levaram seus fãs fiéis a defenderem a marca, sempre que necessário. Hoje, o universo de especulações que permeiam a cinemática e o universo ao qual as histórias giram ao redor, fazem com que gere renda recorrente a empresa.

Atingir o conceito de Love Brand, é algo muito difícil. Não por incapacidade das marcas, mas entender que a experiência do usuário é algo fundamental para o sucesso da mesma.

Um bom exemplo de Love Brand, é a Apple. Para os usuários da maçã, o que os olhos não veem, o bolso não sente. O amor pela marca faz os consumidores relevarem o preço dos produtos.

Consumidores de Love Brands costumam:

. Promover a marca

. Defender a marca

. Consumirem a marca independentemente da circunstância

A utilização de tecnologia, dados para fazer o mapeamento do que o usuário – nem imagina que quer – mas se oferecido a ele, irá despertar o sentimento de desejo, é a melhor ferramenta para construir uma Love Brand. Trazer a aproximação, identificação, carinho e reconhecimento.

. Invista em atendimento ao cliente

. Invista em EXPERIÊNCIA: com os avanços das redes sociais, os usuários querem promoções de experiências únicas para falarem sobre isso;

. Use as redes sociais e se aproxime dos seus consumidores: mas nada de politiquês e polimentos. Seja autêntico, inovador e “fala na lata”.

. Crie boas estratégias para sair da mesmice dos concorrentes. Saiba mapear o que eles fazem de errado. É o que vai diferenciar a sua marca das demais.

E a Disney/Marvel soube como fazer isso.

  • Experiências únicas

A Disney – ao adquirir a Marvel, em 2009 – trouxe muitas mudanças para como os estúdios lidam com as suas produções, através do customer experience: desde a construção narrativa até a maneira como é disponibilizado em streaming em arcos, ordem cronológica da sequência de filmes. E não podemos nos esquecer de aguardar as cenas finais de todos os filmes, desde que a Marvel instituiu  em seus filmes.

A Disney-Marvel tem inovado ao entregar, através de fan service, o que o público gostaria de ver no cinema.

Hoje, a experiência é tida em alta consideração pelos grandes produtores, para manter fiel o público dos quadrinhos e renovar o público dos cinemas.

Há 15 anos, ficar no cinema até o final dos créditos era considerado um comportamento incomum que hoje está consolidado entre a audiência dos cinemas graças a Marvel. Isso faz parte de um amplo trabalho de customer experience que começa na própria construção narrativa dos filmes.

Assim, esse universo disponibiliza um grande “quebra-cabeças” a ser solucionado pelos espectadores através da experiência de assistir todos os filmes no cinema e que, hoje, captou mesmo o usuário de streaming avesso as salas tradicionais. No Disney+, você pode simplesmente dar play em toda a Saga do Infinito e assistir em ordem cronológica diretamente do sofá. Isso foi uma grande revolução para como as pessoas consomem conteúdos audiovisuais.

O filme “Guerra Infinita”, sucesso de bilheteria, foi o maior investimento em marketing já realizado pela Marvel. Vários fatores que contribuíram para esse sucesso fazem parte das estratégias recorrentes desses filmes.

Primeiro deles, e de importante valia, os atores receberam roteiros falsos para que não houvesse nenhum furo de informação para os fãs. Com isso, o filme estava sempre em alta entre o público pois era especulado, hipóteses e narrativas do que poderia acontecer. Incutindo no leitor apaixonado dos quadrinhos esperanças de ver plots importantes de arcos aparecerem, como gerando furor em novos espectadores.

Outra medida importante e que vale a observação, foi a proposta na qual a empresa investiu em experiência dos usuários.

A criação de Lands em parques temáticos que remetesse ao universo e fizesse que o usuário tivesse uma experiência imersiva ao visitar seus parques.

Durante o lançamento do filme, a Marvel em parceria com a 99 (app de transporte particular) personalizou os carros com referências a heróis que iriam aparecer na trama. Isso ocorreu por três dias na cidade do Rio de Janeiro.

O reposicionamento do conceito do cinema

Trabalhar uma marca de uma empresa ou um produto é como trabalhar os heróis das HQ’s. A opinião do consumidor tem de ser levada em conta e, se necessário, vale mais mudar a estratégia e ampliar o investimento, do que manter uma ideia inicial que já se mostrou inadequada – vide a concorrência (DC Comics) que alterou o nome do filme uma semana depois de estrear. É a diferença entre investimento e gasto. 

Entender como o público-alvo se posiciona, suas expectativas e tendências, faz toda a diferença no planejamento. Criar personas, estabelecer missões e valores, promover ações alinhadas com discurso. Apostar em um rebranding quando necessário, mudar o tom da comunicação e humanizar sua marca. 

Seguindo um planejamento muito bem elaborado a Disney começou a utilizar em seus filmes o merchandising. Podemos citar como exemplo as cenas que aparece Tony Stark, que sempre está com um carro de luxo de marcas diferentes. Ou até mesmo as propagandas que aparecem em certas situações dos filmes bem dispostas nas cenas. Esse ponto fez com que a empresa ganhasse não somente na bilheteria mas com seus anunciantes.

A identificação através da marca, história, personagem, fez com que o cinema fosse entendido como um evento. Pessoas vão fantasiadas assistir aos filmes, como adotam outfits que remetem aos seus personagens favoritos. Consomem itens da marca, estimulados pela proposta de valor. O Love Brand no ar.

Hoje, leva-se em conta muito mais o que o usuário gostaria de experienciar, a ponto de se tornar notável e relevante, marcando assim, um ponto importante  na vida do consumidor.

À medida que a tecnologia evolui, o mesmo acontece com as soluções da indústria, dando um xeque-mate nas empresas, que se vêem encurraladas no caminho entre se adaptarem ou virarem dinossauros.

Se a transformação digital ou a inovação de produtos alteraram fundamentalmente seu setor, o reposicionamento da marca deve ser parte integrante da resposta da sua empresa. O reposicionamento de sua marca garante que seus clientes o percebam como à frente da curva, em vez de fora de sintonia com uma vertical em evolução.

O cinema precisou se adaptar ao público e à audiência; ao que traz retorno. É se tornar relevante no meio. E para isso, muito foi investido. Não basta só ser diferente, é preciso ter um propósito relevante, algo que traga valor para a vida das pessoas. Algo que resolva problemas ou inspire vidas. 

As histórias em quadrinho, conseguiram traduzir para o papel propósitos valiosos aos leitores e o cinema trouxe à vida esse cenário.

Você é capaz de revolucionar o mercado através da sua marca?

A grande questão é: a Disney, ao adquirir a Marvel, conseguiu revolucionar a forma de consumo de histórias em quadrinhos – apresentando a públicos que, provavelmente, não consumiriam seus produtos; tornou o ato de produzir filmes, bem como assisti-los no cinema, uma experiência voltada para o consumidor/público, inovando a maneira de como o cinema era visto; e trouxe a humanização como referência no mercado, aproximando a Marvel dos valores da Disney, como Love Brand.

Hoje é muito comum pensar em marcas que pensam em coletivos e associá-las à Marvel/Disney.

Você está no caminho para liderar o mercado tal qual a Marvel lidera o cinema? O que você está fazendo para se reposicionar e se consolidar de forma inovadora, sem reproduzir os mesmos maneirismos e fórmulas “”disruptivas”” do mercado? No que você se diferencia? Atendimento, proposta de valor? A sua marca é só um conceito, ou é mais que isso? É um estilo de vida.

Ou vai deixar sua empresa congelar no tempo que tem o capitão América?

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